terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

"Sair para qualquer sítio do mundo é dar um passo ao lado ou atrás"

Desde muito jovem que está em Portugal. É um jogador de hóquei em Patins que delicia os fãs com a sua agilidade. Depois de ter sido acusado de doping, Emanuel García diz ter uma carreira pela frente e que esse facto não o afectou.


Como é que é jogar num clube como o Porto?
É, sobretudo, uma responsabilidade muito grande, porque passaram grandes atletas, grandes nomes, grandes pessoas por cá e é da nossa responsabilidade continuarmos a fazer com que este clube seja grande e continuarmos a ganhar títulos. Portanto, é, sobretudo, uma grande responsabilidade. Mas também, dado isto, faz com que seja um grande prazer jogar neste clube porque conseguimos sempre óptimos resultados.


Jogar com pessoas como, por exemplo, com Reinaldo Ventura, Tó Neves... São pessoas com quem se aprende muito?

Sim, foram gerações diferentes... Tive a sorte de estar aqui ainda com o Tó Neves, Paulo Alves, Pedro Alves e grandes jogadores históricos da modalidade que ganharam muito pelo Porto e por Portugal. E depois com uma nova geração de jogadores como foi o Filipe Santos, o Reinaldo Ventura, e como serão os novos rapazes que nós temos cá. Com todos eles aprendes coisas diferentes, embora isto também seja recíproco... Nós aprendemos com eles, eles aprendem as nossas coisas... É uma situação que nós achamos perfeitamente normal, mas que vai acontecendo no dia-a-dia.

Quando é que surgiu a oportunidade de vir para o Porto?
Isto foi há aproximadamente 9 anos que nós fizemos...há 10 anos! Há 10 anos atrás fiz com a minha equipa argentina uma digressão pela Europa e viemos fazer um torneiro ao Porto. O torneio correu muito bem, e fui convidado para vir cá para o Porto. Tudo começou porque no tal torneio nós ficamos em casa dos rapazes do Porto, portanto, ficámos na família dos jogadores. E na família que eu fiquei fui muito bem tratado, gostei muito da cidade, do clube,... E convidaram-me a passar férias. Então, no ano seguinte, arranjamos os papéis todos para poder jogar no Porto. Foi assim que joguei nos Juvenis, naquele ano, e correu tudo às mil maravilhas. Dessa forma, o Porto ofereceu-me um contrato de 3 anos para eu vir para aqui e aceitei! Nos dois primeiros anos fazia meio-ano cá em Portugal e meio-ano na Argentina para acabar o 11º e o 12º. E mal acabei o 12º, já vim de vez para a faculdade e para o Porto.


E pretende ficar cá quantos anos? Bastantes, ou...

Já passaram, desde que estou cá... já vão uns 9 anos. Já tirei o meu curso cá, fiz uma pós-graduação, estou a fazer um mestrado, tenho o meu emprego, a minha empresa, duas casas (risos). Pronto, tenho muita coisa por aqui e, se calhar, é difícil abdicar de tudo por uma incerteza que será voltar à Argentina ou por uma incerteza que será ir jogar para fora. O que esteve próximo de acontecer no final da época passada, mas acabei por ficar por aqui.


Mas tem ambição de jogar noutro clube?
Não... Acho que depois de jogar no Porto... Sou sincero, acima do Porto, só tens o Barcelona. Sair para qualquer sítio do mundo é dar um passo ao lado ou atrás. Para a frente só se for para o Barcelona. Mas não é....


...Mas se surgir a oportunidade?
Eu acho que se surgir a oportunidade, será uma coisa para ter muito em conta, mesmo muito em conta! Agora, não é uma coisa que me tire o sono e não é um sonho para mim jogar para o Barcelona. Não passa por aí, nem de longe, nem de perto. Agora se tem clube que eu gostasse de jogar para além do Futebol Clube do Porto, será no Barcelona, com certeza.


Como é que surgiu essa paixão pelo hóquei?

Na minha terra, San Juan, na Argentina, uma cidade que, embora pequenina, com 500 mil habitantes, tem, aproximadamente, 15 equipas de hóquei, 15 clubes. O hóquei é um desporto muito popular e é normal que os rapazes com 3 / 4 anos comecem a patinar, comecem a afinar os seus clubes, para poderem começar a treinar e, no futuro, poderem jogar hóquei. Foi assim que tudo começou, de muito novo. E a partir do momento em que comecei a fazer uma coisa e a gostar e os amigos e tal...é fácil gostar de um desporto, seja hóquei, seja râguebi, seja andebol, seja o que for.


E de todos os clubes que já jogou, qual foi aquele que mais o marcou?
Eu joguei, na minha carreira, só no meu clube da Argentina e aqui, no Futebol Clube do Porto. Tive uma passagem de 6 meses pelo Hóquei de Cambra, por uma razão: eles estavam a descer de divisão, buscaram um par de reforços, eu ainda era júnior e o Futebol Clube do Porto emprestou-me como júnior para ir para lá. Soube às mil maravilhas. Marcou-me muito essa passagem pelo Cambra, porque me fez acreditar no que eu podia vir a dar como atleta Sénior, como júnior era uma certeza, era um dos melhores juniores do mundo, agora como sénior fez-me acreditar que eu realmente podia vir fazer alguma coisa boa para o hóquei. O Porto marca-me porque eu ganhei tudo o que há para ganhar em Portugal, onde batemos o recorde histórico de títulos ganhos, que são 6, antigamente eram 5, e também pertencia ao Futebol Clube do Porto e ao Paço d’Arcos. Nós atingimos o máximo e fiz parte dos 6 títulos, por isso também me marca muito. E é o clube onde eu nasci, o clube onde comecei a jogar... Com certeza também é um dos clubes que me marca bastante.


E principalmente o Hexa, que foi algo inédito em Portugal, foi um título que o marcou muito? Gostou de viver esses momentos? Porque, afinal de contas, para tão jovem, tem muitos títulos na sua carreira...
Sim, por sorte... por sorte são bastantes! Esperemos que continue a somar... Mas, sou-te sincero, nós estamos, e isso às vezes é mau, estamos habituados, tanto nós como a gente, estão habituados a que ganhemos. E, inconscientemente, nós já não vivemos da mesma forma como quando fomos campeões, ou bicampeões, ou tricampeões. A partir de uma certa altura nós, inconscientemente, já vemos aquilo por “obrigação”, não como uma coisa que, mais cedo ou mais tarde, pode vir a acontecer. E isso é mau. Isso é mau porque às vezes nos “desleixamos” um bocado... Mas sou sincero no que acabamos por sentir no final dos campeonatos. Acabamos por sentir: “Pronto, já está feito. Mais uma vez. Vamos lutar pelo próximo...” e acabamos por não viver aquele momento como se “desejássemos”. Basicamente, acaba por se fazer o costume...


E acha que o hóquei é uma modalidade apreciada em Portugal?

Muito, muito!... Acho que, apesar de ter havido uns inconvenientes com a televisão e a Federação, onde o hóquei tinha pouca divulgação, nomeadamente nos últimos 2 anos, mas que agora já começou outra vez em força. O hóquei é um desporto que deu muito aos portugueses, os portugueses gostam muito da modalidade. E terá que ser feito, do ponto de vista da Federação, televisão e clubes, terá que ser feito um trabalho mais em consciência para tentar que a modalidade seja mais divulgada, porque não há dúvidas que tanto em Portugal, como em Angola, como em países lusófonos, este é um desporto que muita gente gosta, não há dúvidas disso!...

Já fala bem português. Como foi a sua integração neste país?
Por acaso correu tudo muito bem, não senti grandes dificuldades, mas tive saudades da família,... Coisas perfeitamente normais da idade e também da vida! Mas correu muito bem, fui sempre muito bem pelos meus colegas, nunca tive problemas com ninguém, esta é uma cidade que não tem grandes diferenças culturais com a minha cidade na Argentina. É tudo muito similar e, nesse ponto de vista, não tive grandes problemas. A língua não foi um grande obstáculo. Nos primeiros tempos, claro que custou mais um bocadinho, mas sempre tentei integrar-me, de aprender, informar-me... O facto de ser estudante, ter lido o português e de ter tido tantos anos de português, ido às aulas, de ter ouvido professores com uma linguagem já mais académica, também fez com que consiga aprender um determinado vocabulário, determinadas frases que se não o tivesse feito, tivesse aprendido normalmente, como qualquer pessoa,... Por isso acabou por ser relativamente fácil.


Como é que é um dia-a-dia de um jogador de hóquei?
De um jogador de hóquei? Não será bem o meu caso...O meu caso é mais uma excepção à regra, porque a minha vida começa às 9 da manhã, às 9 e 30 vou para o Futebol Clube do Porto, eu trabalho na direcção financeira, e estou aí até às 6 da tarde. Às 6 e 30 venho para o treino e estou aqui (Pavilhão de Fânzeres) das 6 e 30 às 8 e 30. Depois do treino, vou jantar e vou visitar clientes – eu tenho uma empresa de produção e distribuição de vinhos –, e vou tratar de coisas relacionadas com o vinho. É principalmente essa a forma que acontece na maior parte dos dias. Embora seja cansativo, dá-te um certo gozo porque acabas por fazer as coisas que gostas, embora não seja só por isso, mas também porque acabas por cumprir com as tuas responsabilidades de uma forma séria e não deixas as coisas ficarem para trás, e isso é bom.


E tempo para a vida pessoal?
Tenho, tenho. A tal situação de tratar dos vinhos, eu trato alguns clientes com alguma amizade. Conheço, acabo por ter óptimas relações... Eu sinto-me à vontade, desfruto dos momentos que estou à noite num restaurante, no café, num bar, seja como for. Portanto, trabalhamos a descontrair e se pudermos fazemos as duas coisas ao mesmo tempo.


E quando foi acusado de doping, sentiu o carinho, o apoio do público e mesmo do clube?
Sim. Isso foi uma situação da qual eu estive completamente inocente. Sempre foi essa a situação que nós tentámos demonstrar e conseguimos mostrar: fiquei ilibado. Foi uma situação perfeitamente normal, que pode acontecer-me a mim, como a qualquer um. E está provado cientificamente que tal pode, efectivamente, acontecer. Por isso estive sempre com os colegas e o clube do meu lado. Eles conhecem-me, sabiam como sou, sabiam o que se tinha passado, eu não ocultei nada. Sabíamos perfeitamente de onde podia ter vindo o problema e pelo ponto de vista do clube, o apoio foi total e incondicional. Do ponto de vista de colegas, foi exactamente igual. Os sócios do Porto e a massa associativa, não tenho nada a dizer, foram óptimos e é como te digo, foi uma situação bastante complicada, mas também não quis pensar muito nisso. Sou uma pessoa psicologicamente apta e bastante forte e para mim, não se passou “nada”. Foi um tempo que tive separado. Teve de ser, mas não se passou “nada”. Ficou aí, morreu aí e pronto, vamos para a “próxima”.


O que é que o marcou positiva e negativamente até hoje?
Como te digo, não se trata de ver isto no dia-a-dia, mas trata-se de ver que o mal que aconteceu fica por lá e vamos viver coisas novas. Positivamente? Eu acho que cada título que nós ganhámos no Porto marca-te positivamente, e decides ficar mais 2 anos, mais 3 anos neste clube, porque gostas disto, porque estás à vontade, porque as tuas condições cá são boas e porque te valorizam para ficares cá. Isso são coisas que, ao longo do tempo, vão marcando-te positivamente, porque sabes que o que tu fazes é recompensado, é valorizado e que tens realmente valor para estar aqui. Negativamente? Tenho tido sorte, porque resultados que o Futebol Clube do Porto tem tido nos últimos anos. E não tenho grandes coisas para apontar negativamente. Acho que tenho tido sorte de ainda não ter sido marcado com uma grande desilusão no desporto.

Como é que vê a sua carreira de uma forma geral? Tanto no passado, como no futuro?
Eu acho que, como todas as carreiras de qualquer jogador de hóquei – e eu só tenho 24 anos, fiz agora em Julho – tenho ainda muitos anos pela frente, muitos anos para aprender, muitos anos para amadurecer como jogador e acho que está tudo a correr bem, está tudo a correr como planeado, tenho tido muito apoio por parte do clube. E também tenho correspondido dentro do campo ao apoio e a esses desejos de ganhar que todos têm. Acho que no dia-a-dia temos feito as coisas bastante bem e isso deixa-me bastante confortável.


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